sexta-feira, 19 de março de 2010

Comunicações inter-galácticas


O meu telemóvel toca dentro da mala, que vibra dentro do carro que soluça no meio do trânsito que se arrasta por entre a minha impaciência. Pego no telefone demasiado distraída para ver o número e cometo a asneira de atender assim. De peito aberto e não apenas pelo excesso de botões desapertados.
A minha voz em eco naquele tom das pessoas que estão lá mas que na realidade já não estão e talvez até nunca tenham estado.
E a voz dele, sem eco nenhum, a atingir-me como um estilhaço de passado que ultrapassa a barreira da dimensão do tempo e do espaço apenas para nos cair aos pés e nos fazer equilibrar sobre nós próprios no último segundo antes da queda.
- Fomos felizes, não fomos?
O meu olhar fora da estrada, preso na mala que vibrou, a traduzir a mesma expressão que se entrega ao porteiro que deixou sentar o ladrão na nossa sala de estar. A minha boca entreaberta numa paralisia momentânea que me dá um ar presumivelmente pouco inteligente. A única parte do meu corpo que se mexe é o dedo polegar que bate nervosamente de encontro ao telefone. A marcar os segundos do silêncio que se constrói em torno de uma equação composta por dois elementos, em que o invasor espera o ruído do trovão e o invadido está demasiado encadeado com a luz do raio para poder comunicar qualquer som.
E no tempo que medeia entre o relâmpago e o trovão lembro-me:
A tua permanente expressão de cobrador do fraque de obediências humanas confirmatórias da dedicação canina que alguém erradamente te disse que era a face visível do amor.
A minha permanente expressão de ansiedade na hipnótica existência auto-anulada em função da tua mais ligeira alteração de humor que alguém erradamente me convenceu que era uma forma de amar.
E toda a energia de relâmpago e trovão a ser rapidamente absorvida por um pára-raios imaginário.
- Não!
Desligo o telefone e devolvo o olhar à estrada a tempo de evitar mais uma colisão.

1 comentário:

  1. O princípio do fim.
    Há verdades que, por mais que queiramos, nunca serão mentiras.

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