quarta-feira, 24 de março de 2010

Tiques insuportáveis que o levarão ao sucesso (Segundo Módulo)

















Aprenda a comportar-se em público.

As estrelas só têm interesse porque nos provocam sensações agradáveis. Ninguém se põe a contemplar o céu com o mesmo propósito doentio com que algumas pessoas param para assistir a tragédias automobilísticas.
Há uma lista de assuntos sobre os quais não deve falar à mesa, nem que para os evitar se veja na contingência de ter que encher a boca de comida e sair da festa com mais dez quilos.

Aqui fica:
- Doenças
Não descreva as suas dores reumáticas, calos nos pés, pus na garganta, furúnculos em qualquer parte do corpo e, sobretudo, doenças hormonais. Por mais obcecado que esteja com aquela amiga que tem cancro não estrague o jantar das pessoas com histórias de quimioterapia que ninguém quer ouvir.
Se em desespero de causa tiver mesmo que falar em doenças – cenário que só é concebível num encontro de médicos workaholics ou de pessoas geriátricas – permita-se os seguintes estados patológicos: jet lag (por motivos óbvios), gota (doença historicamente reservada à nobreza), sonambulismo (dá sempre um certo ar de mistério), paludismo (significa que saiu de Portugal pelo menos uma vez na vida) e aquele pulso que partiu numa queda a cavalo ou nas últimas férias da neve.

- Política
Falar de política à mesa é uma forma pseudo-culta de instalar a discórdia e aborrecer os que não estão dispostos a armar-se em espertos. Além disso, se houver um comunista presente (sim, eles existem e às vezes vêm parar às nossas mesas) estará a abrir uma raivosa torneira doutrinadora que vai inundar a sala de jantar e estragar os seus sapatos novos. Guarde para si as suas convicções sobre a conspiração do clube de Bilderberg (alguém lhe dirá que é inveja por nunca ter sido convidado para nenhuma reunião), da Maçonaria (alguém lhe dirá que é inveja por nunca ter sido convidado para nenhuma reunião) e da Opus Dei (agora já sabe porquê).
Discutir programas de partidos políticos é ainda mais grave. Em primeiro lugar, os seus convivas não os leram (sim, mesmo que sejam deputados), em segundo lugar, você não o compreendeu e, por último, se tiver o azar de estar lá alguém que perceba do assunto, essa pessoa será suficientemente presunçosa para fazer questão de o humilhar em público.
Se adormecer à mesa e acordar no meio de uma acesa discussão política, faça um ar inteligente e diga que prefere falar da política interna do Butão que, isso sim, constitui uma ameaça para o sistema bancário da Suiça que, obviamente, é o único que lhe interessa.

- Guerra dos sexos
Não há nada mais irritante num jantar social do que apanhar com o anormal do lado a debitar teorias machistas sobre a inferioridade feminina quando todos os presentes sabem que além de se arrastar atrás de uma messalina de condição inferior é casado com uma mulher que manda nele. Os sorrisos amarelos das senhoras presentes não são sinal de concordância. São o equivalente educado ao “don´t feed the troll” que é o mesmo que dizer “nem abro a boca para ver se o palhaço se cala”.
Por outro lado, associar-se a um bando de fêmeas excitadas a desancar na espécie masculina, também só a fará parecer uma galinha com a cabeça cortada. Se estiver acompanhada todos pensarão que o seu marido a engana. Se estiver sozinha todos perceberão que o seu ex marido a enganou.
Também aqui, o silêncio dos cavalheiros não significará concordância. Mesmo que a olhem com ar solidário saiba que estão a pensar “o que tu precisas, sei eu o que é!”.
Se for confrontada com uma guerra dos sexos iniciada por um conviva mal-educado, abstenha-se de participar na conversa e diga qualquer coisa espirituosa como “E o que acham dos hermafroditas?” ou o menos sofisticado mas igualmente eficaz “isso era no tempo em que éramos todos macacos”.

- Críticas às profissões dos presentes:
Se você for um trolha e construir um prédio todo torto, acha decente que passem o jantar a atirar-lhe isso à cara? Pois claro que não.
Dizer que os juristas são vigaristas não lhe vai resolver o problema de continuar a ser vigarizado. Vai obrigá-los a enganarem-no naquela mesma conversa com argumentos falsos.
Chamar incompetente, preguiçosa e ladra à classe médica só fará com que lhe perguntem porque raio é que ainda não subscreveu um seguro de saúde decente.
Dizer que os jornalistas são mentirosos e difamam as pessoas será meio caminho andado para que nunca falem de si na altura em que lhe dava um jeito enorme uma entrevista de duas páginas.
Se forem pastores, designers, pasteleiros, filósofos, escritores ou professores, aplica-se a mesma lógica.
Aprenda que os membros de uma classe profissional não são uma espécie de livro amarelo em que pode despejar as suas reclamações, as da sua família, as dos seus amigos e as da senhora que ouviu no programa das tardes da Júlia. Além disso, noventa por cento das pessoas fazia outra coisa se pudesse ou soubesse e tem pelo menos o dobro das queixas contra pessoas da sua própria classe profissional.

Nota importante: Sempre que estiver num jantar em que o aborreçam com algum destes assuntos proibidos durante mais de cinco minutos, faça um ligeiro aceno de cabeça, levante-se, despeça-se e retire-se invocando que a conversa lhe desencadeou imensas saudades da sua almofada.

É provável que o anfitrião não o volte a convidar. Mas já sabe: não estará a perder nada que lhe faça falta...

4 comentários:

  1. Apesar de ser um reumatismo extra-articular, confesso que já me socorri de referir languidamente a uma fibromialgia fabricada num jantar insuportável.

    É uma doença giríssima na sua forma imaginária - consiste em estar sempre enfadado e indisponível para fretes.

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  2. Tomás Vasques: Obrigada.
    Medusa: Fibromialgia é uma doença gira, mas é difícil de pronunciar depois do terceiro copo de vinho.

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  3. Cuca, no jantar em questão nem passei do Dry Martini...

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