quarta-feira, 28 de abril de 2010

O Rico da Família

José Pereira Martins. Tio Zeca. Já expliquei que, lá em casa, toda a gente tinha e tem cognomes. Único irmão germano da minha avó Carolina, aquela que tinha pobres, ele era “o rico da família”. Não que nos pudéssemos queixar, mas ele era o mais abonado. Comprava carros zero kilómetros. E a partir de determinada altura da sua vida, ainda bem cedo, não fazia nada. Ia a Espanha muitas vezes. Tinha quatro casas sendo duas na cidade do Porto, uma em Lisboa e outra numa praia qualquer. Isto era ser muito rico, acreditem.

Pudera…

O Tio Zeca casou com a Tia Margarida “da farmácia”, que era farmacêutica de anel de curso mesmo, o que representava, na altura como agora, uma sorte dos diabos. Porque a farmácia foi sempre, nas palavras da minha avó, “uma mina”.

A Tia Margarida morreu ainda nova, sofreu muito. Oficialmente, finou-se com “aquele mal” mas toda a gente sempre disse que morreu de desgosto. Porque o Tio Zeca não podia ver um par de meias pretas de risca que ia logo perpetrar as suas manigâncias de Don Juan. Dizem que era um dos homens mais bonitos do Porto nos seus anos áureos. Alto, bem constituído, cabelos castanhos claros e olhos verdes… um oásis de saúde no meio dos meias-lecas portuenses dos anos 50.

Viveu uma vida de sorte.

Até nisto: a Tia Margarida morreu nova. Tiveram 4 filhas. Todas já mulheres foram viver para Lisboa, onde encontraram amparo e uma verdadeira família em casa do Tio Aurélio, militar de carreira. Fugiram da vida voluptuosa do pai que acabou por casar, em “segundas núpcias”, com a Maria Margarida – que era sua amante, dizem, de longa data. A quem nunca chamámos Tia. Tinha os seios enormes, corpo de Barbie. Mulher independente, fez carreira nos quadros dos TLP. Desenrascava telefones à família quando o tempo de espera por uma linha nova era de 8 meses. O almoço foi no Hotel Infante Sagres. Há fotografias. De um chique difícil de reproduzir nos dias de hoje. Penso que só uma das filhas apareceu; a Branca, a Branquinha com quem a minha avó passava aos 40 minutos ao telefone. Chamadas 021 que o meu avô pagava sem piar.

Mas ele era o rico da família. Para além da galinha dos ovos de ouro que era a farmácia foi, de profissão, secretário judicial. Aprendemos todos a dizer que ganhou muito dinheiro “a tirar uns processos de baixo para cima de outros”. Depois de me tornar mais mundividente passei a achar isto uma injustiça com a Tia Margarida – afinal, sempre se devia ganhar mais dinheiro com os fármacos do que com a pequena corrupção que poderia praticar a gerir o pó destes ou daqueles autos…

Dava boas prendas. Coisas caras. E muitas. Não foi à toa que o meu tio que lhe sucedeu na alcunha o escolheu para padrinho de um dos filhos. É que o Tio Zeca e a Maria Margarida não tiveram filhos. E as filhas dele não queriam ouvir falar neles. Então, no crepúsculo das suas vidas de dândis, adoptaram essa outra família simpática e uma afilhada estudiosa.

Era o único irmão germano da minha avó Carolina. Os outros eram apenas da minha bisavó. Todos: a Tia Mimi, que sofria de amnésia e nos proporcionava espectáculos bizarros nas visitas que lhe fazíamos com a minha avó antes de ir aos seus pobres e de lanchar na Brasileira; a Tia Rosa, que destruiu o casamento da filha com quem viveu toda a vida; o Tio Aurélio, que já não conheci; a Tia Margarida, que morreu intoxicada pelo fumo num incêndio que lhe consumiu a casa por causa da mania de acender velas a Santo António; a minha avó Carolina e o Zeca, de quem vos falo. Não morreu muito velho mas partiu enquanto vigorava entre ele e a irmã um terceiro ou quarto corte de relações oficial.

Estavam zangados por uma tolice qualquer, como lhes era hábito.

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