domingo, 3 de outubro de 2010

Amigo:

Qui saudajé di ocê!
Veio a chuva bater-me de encontro aos vidros e roubar-me duas das minhas cinco horas de sono. O mar lá fora, tem muito menos graça, assim cinzento, da cor das nuvens e da minha massa encefálica que se estende e encolhe numa espécie de cólicas cerebrais a que algumas almas menos metafóricas chamariam dor de cabeça.
Os meus desajustados vizinhos tiveram a ideia de fazer uma festa no jardim. Até que o porteiro se apiedasse deles e lhes abrisse a porta da sala do condomínio, vieram prostrar-se à minha janela, de braços cruzados, a olhar a piscina com ar amuado. Não houve música mas deve ter havido um bolo que adivinho com a forma de um campo de futebol. Vi duas crianças espreitar para dentro da minha sala e fugir aos gritos quando lhes fiz o meu melhor sorriso de bruxa. Foi o sucedâneo da actuação dos palhaços que alguém se esqueceu de contratar.
Fiquei a pensar que, para se fazer uma festa, talvez seja preciso mais do que vinte pessoas, um aniversariante e um bolo em forma de campo de futebol. Para se fazer uma vida talvez também seja preciso mais do que vinte pessoas, um protagonista e um bolo em forma de girassol. Pelo sim, pelo não, convém sempre lembrar-nos de contratar palhaços.
Acho que foi no encadeamento desse raciocínio que me lembrei de ti e me dei conta que se não tivesses desertado deste país miseravelmente aborrecido, hoje seria mais um daqueles dias em que eu te telefonaria apenas para te pedir que me contasses uma piada.
P.S. Se este postal tivesse lógica, ou não era eu a remetente ou não serias tu o destinatário.

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