sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ano 0 + 2

Deus – O que achaste deste ano?
Cuca – Are you talking to me? Are you talking to me? Are you talking to me?
Deus – Não foi um ano mau para ti…
Cuca – ai, ai…pressinto que vem aí o famoso termo de comparação “Job”…
Deus – Não sejas ridícula. Conseguiste passar o inverno inteiro sem um único ataque de psoríase palmoplantar, não morreu ninguém que te fizesse falta, venceste todos os desafios profissionais que te colocaste, entediaste-te menos que o ano passado, passaste a discordar de Nietzsche, ainda não enlouqueceste…
Cuca – Olha lá…tu tens um problema sério de low expectations, não tens?
Deus – Terás de reconhecer que o saldo foi positivo.
Cuca – Hum… foste para Deus porque tinhas negativas a matemática, foi?
Deus – Continuas insolente. Para castigo, no próximo ano continuarás no limbo da existência.
Cuca – És tão mal informado que nem sequer sabes que os teus procuradores já acabaram com essa coisa do limbo. E se desaparecesses daqui com a tua contabilidade aldrabada?
Deus – pronto, pronto, pousa lá a lata de enxofre…
Cuca – Ficas a saber, criatura incompetente, má e/ou impotente, que o ano só acaba quando eu decidir que acaba. Agora vai lá provocar os teus tsunamisinhos de reveillon e deixa-me tratar da minha vida. Se estivesse à tua espera haveria de ser bonito (… hum…psoríase, psoríase… agora os créditos da pomada manhosa que comprei em Marrocos também são dele, não?)

por vezes já não parece mas foi o ano em que a vida começou a tirar-me coisas - e ainda ando por aí a rir, vá-se lá saber a razão

tornei-me mais paciente.
aprimorei, com dedicação de ourives, o meu olhar desatento.
ganhei a capacidade de não ouvir quando não me interessa.
e de trabalhar no meio de uma trincheira em pleno assalto.

descobri a alma Mário e Maria Helena [esta também com dois corpos, Cuca]. tornamo-nos amigos.
amigos de eu ir lá a casa beber chá e perdermo-nos em conversas de roda livre.
e, por vezes, ficamos a saltar em cima da cama.

gastei muito dinheiro em lingerie. é vício antigo.

assumi dois pseudónimos.

comprei um colar de contas vidradas.
conheci uma biblioteca ensolarada.

esquivei-me a um par de facadas nas costas.
e se não foi assim, pelo menos não sangrei que se notasse. que eu notasse.

arrastei o homicídio dela, como já o tinha feito por vários anos antes e hei-de fazer por mais um. um de cada vez.

obrigada por me teres feito maior
na consideração da generalidade das desgraças que se tornaram, na generalidade, patéticas.


quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A propósito de dois telefonemas recebidos hoje e também deste blogue

A Amizade é uma alma com dois corpos

Aristóteles, in Ética a Nicomaco

O mistério da felicidade

Não gosto da miséria servida ao jantar. É por isso que me recuso a assistir aos serviços noticiários na televisão.
Ontem estava distraída e entrou-me uma búlgara pela sala. O pretexto foi uma reportagem sobre imigrantes ilegais. A búlgara vive numa tenda montada nos escombros de uma fábrica abandonada. Era um cenário daqueles que, enquanto nos cobrem de vergonha pelo ar condicionado, vão roubando o sal aos bifes.
Primeiro, a búlgara mostrou às câmaras os víveres que tinha comprado com os cinco euros que disse terem sido o resultado da pedincha daquele dia.
Depois, arrastando atrás de si um colchão, a búlgara exibiu a sua tenda andrajosa.
Em contínuo, exibiu ainda uma outra coisa, que foi o que mais me fez sentir envergonhada:
Um misterioso sorriso que, ou eu muito me engano, ou era felicidade genuína.

Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue

Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.


Clarice Lispector

Momento déjà vu

Conheci um dia uma sala gémea desta.
A dona afastou o mordomo com um gesto. Chamou-me à sua presença com outro. Pousou sobre a minha uma mão feita do peso de mil opalas. Olhou-me directamente nos olhos. E por fim informou-me com uma voz solene e vagarosa:

- Quero vê-la melhor. Para saber se é digna do meu neto.

Pergunto-me, todos os dias da minha vida, se a enganei.

gente que me dá apetites nocturnos por reinetas


quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Cuquisses


Havia uma imagem semelhante a esta neste blogue. E era linda. Era grande. Era brilhante. Era a nossa. Lamentavelmente, quiseram o destino e a minha ineptidão que a árvore da vida de Klimt tenha ido parar directamente ao lixo blogosférico. Há outras no Google. Mas eu já olhei para as quinhentas disponíveis e nenhuma é igual àquela que aqui estava. Por isso, na hipótese improvável de algum dos nossos cinco leitores a ter copiado e guardado, por favor, enviem por mail que nós prometemos não apresentar queixa pelo furto.
Adenda: A Medusa dá alvíssaras.

to the Österreichische Galerie Belvedere!

you like music we can dance to

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

..Gustav?

onde escondeste o nosso beijo?


Entrevista com a manicure

- A senhora é aquela que não gosta que lhe cortem as cutículas, não é?
- A própria.
- sabe que eu nunca antes tinha conhecido uma pessoa assim?
- não sabia.
- Até fiquei impressionada quando me disse que não queria que lhe cortasse as cutículas.
- não é caso para tanto.
- Acho uma coisa extraordinária. Falei do seu caso à minha colega.
- muito obrigada.
- há alguma razão especial para isso? Uma situação traumática?
- não. Nasci assim.

Esse fraquíssimo placebo

Eu meço o tempo assim...

clepsidra seca


... e então tu não sabias que sempre componho as minhas casas a partir do movimento de um particular relógio de mesa? sim, espólio daquela falência...


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

lobos do mar

quando formos velhos, lembra-me dos tempos de hoje, lembra-me quando pensávamos que já não éramos tão novos assim. mal sabíamos nós. e o tanto que nos queixávamos de não sermos tão jovens assim, tanto nos queixámos que um dia deixámos de nos queixar e resolvemos, simplesmente, não ser tão jovens assim. e a partir daí, não mais achámos que não éramos tão jovens assim.

foi quando fizemos aquela viagem impossível.
tu compraste o veleiro de um marinheiro mudo. que te apareceu sem mais nem menos no porto ao pé de casa. o veleiro… que nunca saiu da doca seca. nele passámos mares e mares e mares e mares, e desses mares a pele se curou de tanto sal, do teu e do meu. eu fiz as tuas linhas e tu fizeste as minhas. devagar. na ponta dos dedos. até que o mar começou a chegar de mansinho. na beira da praia.

por vida, uma vila pacata.
afinal, era ainda tanto o tempo.
continuei a usar as poções que hoje uso. a camisa. os cabelos compridos que agora trago amarrados. e que deixei de tingir, a teu pedido.

não penses, agora, que estamos velhos. porque nunca não somos tão novos assim.
continuas a sorrir como sorrias, meu muito meu céu.

domingo, 26 de dezembro de 2010

O Lexotan também vai comigo para 2011

Jovem:
Tens os batimentos cardíacos a mais de 120 por minuto sem causa médica diagnosticada?
A primeira coisa que fazes quando chegas ao teu local de trabalho é vomitar? (não aplicável a quem trabalha numa morgue e essas coisas esquisitas)
Tens fobias tão estúpidas como abrir a caixa do correio?
Dão-te ataques de pânico nos centros comerciais mesmo antes de teres usado o cartão de crédito?
Recusas-te a adormecer com medo de não haver ninguém a controlar o mundo enquanto dormes?
Tens suores frios quando se acaba a bateria do telemóvel e te esqueceste da bateria suplente?
Atendes as chamadas telefónicas com um sinistro “o que é que se passa?”?
Não gostas de ver filmes no cinema porque não podes ir directamente ao menu de capítulos e ver como é que aquilo acaba?
Já nem sequer suportas usar relógio porque consideras o movimento dos ponteiros uma intolerável forma de pressão?
Os sais de banho, o yoga e os chazinhos de valeriana falharam?
Há esperança para ti, jovem. Rende-te ao Lexotan. O controlo dos teus espasmos nervosos está ao alcance de 1,5 mg antes de dormir e, como me garantiu o meu cardiologista, “se você não contar, ninguém vai saber e se ficar viciada é continuar a tomar”.

Homero vai comigo para 2011


Aproveito estes perigosos dias que antecedem o final do ano, feitos de contabilidades do horror e de resoluções dramáticas que assassinam vinte por cento dos blogues - que depois renascem no início de Fevereiro – para comunicar que a minha ambição para o próximo ano é continuar a tentar ler a Ilíada de Homero. Não deve ser uma resolução difícil de alcançar porque já o ando a fazer desde 2004. O livro entretanto adquiriu um certo aspecto de relíquia familiar e já conhece África, Ásia e uma parte interessante do continente Americano. Também tem uma curiosa mancha de hena que não me atrevo a explicar aqui e marcas de dentes de macaco. Não cometo a imprudência de decidir acabar o livro no próximo ano. Reajo mal à frustração e sou adepta da humildade nas expectativas sobre o meu próprio desempenho. A minha resolução é mesmo continuar a tentar. E só não percebe que é corajosa quem nunca tentou ler o livro.

Os malefícios do ego

Dois vale mais do que um. Um é melhor do que quatro. Três pode ser demasiado ou o bastante. Cinco é levar as coisas demasiado longe. Seis é delírio.
Avança agora, viaja cada vez mais fundo nos subterrâneos do seu próprio nada, o lugar nela coincide com tudo o que ela não é. O céu por cima dela é cinzento ou azul ou branco, por vezes amarelo ou vermelho, outras vezes roxo. A terra sob os pés dela é verde ou castanha. O corpo dela situa-se no ponto de junção entre a terra e o céu, e pertence-lhe apenas a ela e a mais ninguém. Os pensamentos dela pertencem-lhe a ela. Os desejos dela pertencem-lhe a ela. Encalhada no reino do um, invoca o dois e o três e o quatro e o cinco. Por vezes o seis. Por vezes mesmo o sessenta.”

Paul Auster in Sunset Park, Asa

Terminei o livro ontem à noite e a dificuldade que tive em encontrar um trecho que gostasse o suficiente para colocar aqui demonstra que não foi ainda neste livro que me reconciliei com Paul Auster.
Paul Auster sempre me fascinou pela capacidade de criar personagens enclausuradas dentro de si próprias, a bater com a cabeça de encontro às paredes do labirinto que é a vida real. Apesar de Sunset Park manter esse registo, Auster tem a infeliz ideia de nos explicar a fórmula. Não gosto de narradores transformados em tradutores de angústias a retirar-nos a possibilidade de uma identificação directa. Já não temos que apanhar com a história da sua vida, mas continuamos a ter que apanhar com ele no livro, a contar a história.
O que aconteceu ao génio de Mr. Vertigo e In The Country of Last Things? Aconteceu-lhe o ego, suspeito.
Perguntam vocês: Cuca, se ficaste decepcionada com o livro porque escreves sobre ele? Para que a Estrelita saiba que já o li e não me ofereça. Evidentemente.
A chuva de ontem lavou os restos do Natal. Esta manhã, o sol sobre a minha esplanada em frente ao mar soube-me a uma provocatória mensagem de optimismo, ao melhor estilo life goes on, let´s do it.
Um veleiro no mar. Histriónica harmonia publicitária em terra.
Não tenho nada contra as iluminações, os presépios vivos, as memórias de outras missas do galo nos dias em que os pinheiros tinham cheiro. E até sobrevivo às reuniões familiares. Desde que eles não se ponham a cantar. O que me extenua nesta época é o esforço da confrontação com uma ideia de felicidade estereotipada. Por isso, o meu alívio por hoje o sol me ter oferecido uma manhã de finais de Março.
Quando os camiões do lixo levarem os papéis de embrulho rasgados não sobrará mais nada que me atire à cara o desconforto de uma existência com demasiadas coisas ainda por fazer. Dizem que essa é a génese das fobias. O medo de morrer antes de se ter vivido. Mas essa é também a sentença dos inquietos. A convicção permanente e às vezes ilusória de que nunca se viveu o que importa ser vivido.
Histriónica harmonia publicitária em terra ou um veleiro no mar?
Por respeito à época, no regresso a casa depois do meu passeio matinal de Domingo, evitei as habituais conversas imaginárias com os cães que se cruzaram comigo.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Preocupante sintoma de misantropia

Passar a consoada obcecada com o facto de o prazo de pagamento da conta do gás terminar no dia 24 de Dezembro.

Entre Dickens e Andersen

Às vezes penso que se a vida fosse um conto de Charles Dickens eu seria a pobre rapariguinha gelada com os joelhos assentes na neve, colada à janela de uma casa de brilhos e veludos a ver dançar uma mulher inteira que um dia foi o seu passado.

Mas depois lá me abrem a porta e o calor é irrespirável, o cheiro das flores enjoativo, a música um piano desafinado e a mulher…bem, a mulher olha para mim incapaz de se reconhecer.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Do your best tonight



Feliz Natal

bijutaria de vida

assim o colar de contas vidradas | aquele cujo fio impregnado do perfume | é odor a poção de gente | o fecho que se fecha sozinho | quando lasso no pescoço | já não há tempo de salvar as contas | escorregam pela blusa | seda | sobram as contas bravias nos cabelos de vento | que, demorados de longos, chegam ao sul



quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Giselle e o fantasma do Natal passado


Giselle, camponesa e pobre, tinha uma alma ignorante de sofrimento quando se apaixonou por Loys, que afinal era Albrecht, disfarçado e entediado duque da Silésia. No final do primeiro acto Giselle descobre que foi enganada por Albrecht e morre de desgosto.
O segundo acto decorre no cemitério, em frente da campa de Giselle, onde um Albrecht arrependido a vai chorar e tem um encontro com as wilis, fantasmas das noivas que morrem antes do casamento e que, por vingança, decidem matar Albrecht. No final do segundo acto Giselle impede a morte de Albrecht e entrega-lhe o seu perdão.
Giselle morre. Albrecht vive.


A última sessão de Giselle aconteceu dois dias antes do Natal. As coincidências, a falta de imaginação e o humor negro do destino, acabaram por nos fazer sentar aos dois, lado a lado, como uma mancha numa plateia de felicidade e paz natalícia embrulhada em visons e iluminada por brilhantes, muito depois de o nosso próprio dueto artístico de entretenimento doméstico se ter desfeito em palco.
Tornou-se evidente que tínhamos uma mensagem um para o outro que esperávamos que passasse através dos nossos corpos rígidos, concentrados na tarefa de não se tocarem e dos nossos olhares vazios, absortos na insistência em nada reflectirem.
Não sei se ele percebeu que eu lhe queria explicar que nos assassinou e nos condenou a viver como fantasmas aprisionados entre uma vida que se perdeu e uma outra que não há maneira de se saber ganhar.
Sei que, apesar de ter percebido bem a mensagem dele, talvez por não dispor da inocência bucólica de Giselle, não fui capaz de lhe perdoar.
No final do último acto, quando as nossas mãos incidentalmente se tocaram, os nossos olhares reflectiram um final próprio.
Albrecht e Giselle estavam ambos mortos.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Há vida para além da morte

Um misterioso telefonema da Zone Tv Cabo insiste em querer saber a minha opinião sobre a intervenção de ontem na minha casa.
Eu explico que não houve nenhuma intervenção ontem na minha casa.
Eles não acreditam em mim e juram que fui eu que os contactei por estar com um problema de sintonização.
Dizem-me a morada. E um nome. O nome dele.
Eu sintonizo-me no problema e esclareço que já não é a minha casa, nem a minha televisão e que os telefonemas feitos por mim, já não sou eu quem os faz.
Do outro lado, imagino imediatamente o ar desiludido da equipa da tele-assistência a murmurar baixinho “oh, mas pareciam tão felizes e perfeitos…aqui no registo de contactos…”.
Peço desculpa antes de desligar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Black Cat, White Cat



Do filme Black Cat, White Cat de Emir Kusturica, por ser um dos raríssimos filmes que, por mais vezes que assista, me há-de sempre fazer rir.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Substra(c)to de crescimento


A pessoa que verdadeiramente faz falta na nossa vida é sempre aquela de quem não estamos à altura. É da generosidade, ou do logro, que se vão fazendo as evoluções em matéria humana.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Em busca do eufemismo perfeito

Quando me diziam que era uma besta tentava incutir nas pessoas a ideia de que seria apenas implacável.
Quando me passaram a dizer que era implacável fui sugerindo que talvez fosse apenas pragmática.
Agora que me dizem que sou pragmática, ando a tentar convencer os outros que sou é eficiente.

Teria sido mais rápido deixar de ser uma besta.

Desaparecida de casa da sua patroa


Maria Alice desapareceu.
É possível que se tenha esquecido do caminho para casa. Que não tenha tido a lembrança de perguntar a um transeunte como se utiliza o telemóvel que o marido lhe ofereceu no aniversário. Que se tenha sentado numa paragem de autocarros, confusa e pacientemente, à espera que passe um número que a linguagem matemática ainda não criou. E até é possível que depois de um transplante de cérebro se tenha lembrado de me assaltar e fugir com o dinheiro para um paraíso tropical, lá para os lados de Tróia.
O facto é que Maria Alice desapareceu da minha vida, sem rasto humano, relegando-se para o plano dos fantasmas. Aqueles que, nos dias piores, me obrigam a duvidar da minha memória chegando-me a fazer crer que nunca passaram de uma sórdida invenção minha.
Maria Alice foi a empregada doméstica mais inútil que tive na vida. Manteve a minha casa sobriamente suja e redecorou-lhe os cantos com montinhos de tralhas empilhadas que se recusava a arrumar. Culpou-me por todas as suas ineficiências. Queimou-me camisas e vestidos. Transformou em cinzentos todos meus soutiens brancos. Obrigou-me a esperar por ela durante horas a fio. Usou a minha televisão para assistir a telenovelas de má qualidade. E no dia em que foi lida a sentença do Carlos Cruz, abandonou as lides a meio demasiado revoltada com o sistema para conseguir queimar-me a segunda camisa do dia.
Existia na minha vida para me confrontar com os meus complexos de burguesa e a minha incapacidade de domadora de empregadas que sempre rendeu boas anedotas entre os meus amigos.
Despedir Maria Alice nunca chegou a ser seriamente equacionado. Era uma penitência suave que me ensinava aquelas coisas que só se aprendem no confronto com a nossa própria cobardia. Despedir Maria Alice teria implicado a reunião de uma energia que nos últimos seis meses nunca chegou comigo a casa.
Inicialmente este desaparecimento deixou-me aliviada.
Mas Maria Alice, como todos os seres humanos, tinha uma qualidade. Sabia fazer uma cama em condições. E só quem tem o privilégio de não saber o que é uma insónia é que não percebe o valor de uma cama bem feita.
Passei esta noite, acordada e embrulhada como uma múmia, naquele ninho amarrotado que passou a ser a minha cama depois de eu própria ter trocado os lençóis, a desejar ardentemente o regresso de Maria Alice.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sentido de Ridículo

A rua vazia onde eu insisto em acreditar numa rota de colisão.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Indecoroso

Olho para ti, aí em pé, e percebo que nada entendes de tudo isto.
Acumulas o balcão da loja com as limpezas num escritório. É a penitência que pagas pelo ímpeto da paixão por um qualquer Leandro que te engravidou antes de tempo. Trocaste a escola por uma tiara de brilhantes tão falsos que nem sequer compensou a falta de cauda no vestido de noiva que te convenceram que deveria ser simples. Uma questão de decoro.
Com o teu novo estado civil de casada adquiriste o estado social de desempregada. Usaste-o o melhor que conseguiste dentro do apartamento suburbano onde uma imobiliária e um banco te convenceram que serias feliz. O teu um qualquer Leandro rapidamente se fartou da falta de sal nos pratos que lhe ias servindo enquanto a tua barriga de grávida ocupava cada vez mais espaço.
Depois de teres parido sozinha e humilhada num hospital público onde as cesarianas são prémio de quarenta e oitos horas de dor animal, pareceu-te inútil chorar por o teu um qualquer Leandro que, antes de ter tempo para montar a cama de grades que pediste emprestada à tua prima professora, bateu com a porta de casa. Outra questão de decoro.
Com o teu novo estado civil de divorciada adquiriste o estatuto económico de pobre. Usaste-o o melhor que conseguiste para vender a tal casa onde já não ias ser feliz e entregares-te a dois trabalhos que te devolveram um qualquer princípio de dignidade. Os mil euros que rendeu a venda da casa, depois de pago o empréstimo ao banco e as custas do divórcio, decidiste investi-los numa carta de condução.
Olhas para mim, aí em pé, e percebes que não entendo nada disto.
Entregas-me todas as lágrimas de revolta que poupaste até chegares aqui. Mas eu não tenho onde as guardar. Não fui eu quem te roubou o destino e esqueceram-se de me dar o poder de to devolver.
Eu também me arrependo da tua decisão de entrares num carro emprestado para treinares estacionamentos na véspera do exame de condução. Eu também não me perdoo por acabares por te confundir entre o acelerador e o travão. Eu também não percebo o que é que uma criança estava ali a fazer.
E confesso tudo. Até o trágico desperdício de dignidade que são as tuas lágrimas choradas aqui, num sítio onde não deverias estar.
Demoro dez minutos a transformar-te em criminosa e não olho para ti quando termino. Uma última questão de decoro.

As pessoas inteligentes também dizem coisas estúpidas

"Às vezes um pepino, é somente um pepino"


Sigmund Freud

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Desertos

Gastei as derradeiras horas do nosso penúltimo ano, com a boca suja pela areia do deserto e os pés gelados pelo frio da alma, num túmulo chamado Abu Simbel.
Confundi o fogo-de-artifício com um ataque terrorista e entreguei a minha morte à tua consciência com o regozijo daqueles que estão dispostos a dar a vida por um segundo de razão.
Nessa noite escura, com o vestido encharcado de champagne a corroer-me os ossos, procurei uma cadeira com vista para o Sudão e fiquei ali sentada
A odiar-te.
O ódio é uma viagem de onde se regressa com areia entre os dentes.

Se no primeiro instante do nosso último ano o fogo-de-artifício me tivesse detonado o corpo, eu teria tido o privilégio de morrer néscia

Deste gosto a deserto, na boca.

Buika - No Habrá Nadie En El Mundo

domingo, 12 de dezembro de 2010

Abre-se uma nova fase de castings na vida Cuca
















Solo estéril

Overcoming of the passions.— The man who has overcome his passions has entered into possession of the most fertile ground; like the colonist who has mastered the forests and swamps. To sow the seeds of good spiritual works in the soil of the subdued passions is then the immediate urgent task. The overcoming itself is only a means, not a goal; if it is not so viewed, all kinds of weeds and devilish nonsense will quickly spring up in this rich soil now unoccupied, and soon there will be more rank confusion than there ever was before.
Friedrich Nietzsche, in The wanderer and his shadow
Nietzsche estava enganado. Quando se ultrapassam as paixões resta a aridez de um solo estéril onde nem a flor do deserto consegue medrar.

Migraleve


E os meus mais sinceros agradecimentos à indústria farmacéutica por esta pequena maravilha do mundo civilizado.
Assim, em versão dupla.

sábado, 11 de dezembro de 2010

O Frankenstein

De natureza mais simples, os homens não têm mulheres ideais. A idealização do feminino é limitada a dois factores abrangentes: Para os tendencialmente mais dados ao romantismo, um certo tipo de sorriso, para os outros, todo o tipo de mamas.
E é assim que deve ser.
As mulheres tendem a imaginar um paradigma de homem ideal correspondente a uma criatura compósita que tem as costas de A, as pernas de B e a cabeça de C. Possui a sensibilidade de D, mas mantém a coragem de E e nasceu com a autoconfiança de F. Escreve as coisas que só D poderia escrever, mas pensa como F, comportando-se como E.
O homem que as mulheres se habituam a idealizar é um Frankenstein físico e espiritual colado com o cuspo da sua criadora.
Não admira, pois, que sempre que uma mulher o julga ter encontrado, no fim da curta festa restem incómodos pedaços da criatura espalhados por todo o lado.

Eros, o criminoso


Utilizando Paul Cézanne, em stilleben mit cupido, o puto delinquente tenta enganar-nos dando de si próprio uma imagem de esquecido bibelot em fim de vida, a meio caminho entre o estorvo e o caixote do lixo.
Assim, desasado, desarcado e desalirado, Eros consegue fazer-se passar uma criatura inofensiva. Se nos distrairmos, acabamos por desenvolver piedosos sentimentos que nos farão levá-lo para casa e instalá-lo numa coluna de mármore à entrada da porta.
Não se deixem enganar. Eros não acabará os seus dias coberto de pó, à espera que uma empregada doméstica o transforme em prémio de quermesse. Vem na mitologia. Se lhe derem um pódio, rapidamente lhe crescerão asas, usará a madeira das cadeiras da sala para fazer um arco e assassinar-vos-á a liberdade, durante o sono, disparando uma seta certeira e dolorosa.
O mais seguro é passar por esta criatura traiçoeira e inoportuna e confundi-lo com o miúdo da Mannekin Pis Fountain, em Bruxelas.
Não merece mais.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

INVEJA



Não foi um acto voluntário. Nunca tive a capacidade de retirar qualquer espécie de prazer do confronto com as minhas fraquezas. Resisti à intimação familiar para mais uma primeira comunhão. Inventei razões plausíveis para a impossibilidade da minha comparência. Fui veemente no grau de dificuldades feito de deveres maiores. Em suma, fiz o que pude para me proteger da minha inveja. Acabei desarmada por um telefonema de um rapazinho de oito anos. Quando me vi sem saída, quis acreditar que talvez a família tivesse mudado de congregação. Ou que o padre tivesse sido deportado para uma aldeia perdida no meio nenhures. Ou que, na pior das hipóteses, tivesse recebido uma ordem do Vaticano para deixar de transbordar felicidade.
Todas as minhas esperanças se desvaneceram logo que cheguei à igreja.
No centro da nave, vestido de batina verde-esmeralda e ladeado de dezenas de criancinhas de branco com uma rosa igualmente branca entre as mãos, brilhava a insistente personificação da felicidade humana.
Desta vez o sermão era sobre Maria. Mas Maria, nas palavras daquele homem, não parecia uma mulher engravidada contra a vontade por um espírito que se anunciou santo. Uma fêmea obrigada a parir sem epidural numa caverna insalubre na presença de um burro e de uma vaca. Uma mãe que acompanha o calvário de um filho desobediente e egomaníaco. Não. Maria era uma mulher que tresandava uma satisfação pessoal superior à de Angelina Jolie. As assustadoras personagens do novo testamento, descritas por ele, seriam o perigoso equivalente aos monstrinhos da rua sésamo num dia de festa.
Houve um instante em que a felicidade estampada no rosto daquela criatura de deus assumiu contornos tão insuportáveis que fui obrigada a desviar o olhar para desfazer o patético sorriso plácido que, contra a minha vontade, se apoderou dos meus músculos faciais.
E no final da indecorosa exibição de alegria, e ainda sob o efeito da influência maléfica da inveja, dei por mim a exigir respostas do rapazinho de oito anos.
- Aquele é o teu padre, não é?
- É o meu confessador.
- Diz-se confessor. Costumas falar com ele?
- Ás vezes. Na catequese.
- E está sempre assim tão contente ou é só quando as pessoas estão a assistir?
- É sempre assim.
- E tu achas isso normal?
- Para adulto não.
- Quando te confessaste deu-te alguma penitência?
- Não.
- E contaste que bates na tua irmã, chateias a tua avó e fazes a vida negra à tua mãe?
- Contei tudo.
- E ele?
- Riu-se e disse-me que fizesse as pessoas felizes.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ao telefone

-Então, já te casaste?
-Não tenho tido tempo. E tu, já te divorciaste?
-Não tenho tido espaço.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Casablanca - Revisited




Ilsa escolheu o marido (Laszlo) por três vezes. Primeiro, ao permitir que Rick saísse de Paris sozinho. Depois, ao apontar-lhe uma arma para tentar obter os vistos necessários a que ela e o marido chegassem a Lisboa. Por fim, ao entrar no avião abandonando-o em Casablanca. A importância do trabalho do marido, que lhe serviu de álibi ao amor, é uma farsa. De acordo com a psique feminina, a relevância da actividade do marido funciona sempre como um factor libertador.
E mesmo sem o saber, quando Rick diz a Laszlo que Ilsa só fingiu estar apaixonada por ele no interesse do marido, Rick está a dizer a verdade.
Ilsa utilizou uma tradicional forma de manipulação feminina que, quando dirigida a um homem de bem, é também a mais infalível:
I don´t know what´s right any longer. You´ll have to think for both of us. For all of us.”

Anatomia de uma insónia


Quando apago as luzes a noite agride-me o sono. Os caixotes saltam do escritório e voam na direcção do quarto. Se o cartão não suportar o peso do conteúdo haverá restos de passado espalhados em meu redor. Levanto a cabeça no escuro para ter a certeza que o chão continua vazio. Encontro-me com molduras de risos verdadeiros. Sou atingida pela letra inclinada de uma carta escrita à pressa. Há um livro com um desenho de uma mulher nua feito a carvão na contra-capa. Uma flor de pano que vaticinou um destino que não se cumpriu. Não suporto o peso da existência que aprisionei dentro dos caixotes. Levanto-me no escuro. Caminho entre as sombras dos objectos de uma outra vida. Tropeço num açucareiro de porcelana. Ouço o som de um copo de cristal que se desfaz debaixo dos meus pés. Afasto-os a todos da minha mente. Fecho com força as janelas que separam o quarto do escritório. Corro os estores para ter a certeza que os caixotes não passam por entre as frinchas. Retorno à cama. Mas há minúsculos pedaços de cristal entre os lençóis. Um pé frio toca no outro. Experimento a almofada do lado. Como se o segredo do sono fosse a geografia dos objectos. Não acredito em vidros espalhados. Mas pelo sim, pelo não, mantenho as pernas encolhidas. Sou um minúsculo feixe de ossos. O único peso que sinto é o da massa que lateja dentro da minha cabeça. Sei que se mergulhar dentro dessa massa estou condenada à insónia eterna. Fujo dela na atenção ao exterior. Mas fora do peso dessa massa inerte não há nada. Nada para além de caixotes fechados.

Anno Domini


Em retrospectiva consigo identificar perfeitamente o ponto de intersecção que me trouxe até aqui. Não foram os russos, os franceses, o dinamarquês, o alemão louco, a poesia de Sá Carneiro ou a morte, tudo em versão precoce, excessiva e violenta. Foi um dia de sol de início de Outono, numa rua de Lisboa, às três da tarde. No ano de 1997. Um olhar na direcção dele e a instantânea percepção do fim da inocência. Depois passou. Mas já era tarde.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A Chuva de Dezembro Não é Igual à de Novembro


Está frio e três gotas de chuva lembram-me que sou humana. O chapéu é levado pelo vento e apanhado por um cão. Negoceio uma rápida permuta e troco o jornal pelo chapéu. Foi um bom negócio. O cão afasta-se a tremer de frio com o jornal na boca. Um dono atónito agradece-me. Não lhe explico que apenas comprei o jornal para ler um texto. Nem sequer uma notícia. Ainda não consigo suportar o peso desse mundo. Mas há coisas que já consigo fazer. Olhar pela janela sem ter medo da piscina abandonada. Deixar que a chuva me molhe as mãos nuas. Entrar num café cheio de gente. Ouvir o barulho dos pensamentos dos outros.
Aceitar Dezembro. Trinta mais dias mais distante do início do fim.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Miúdas com muito estilo: Salomé III


Epílogo - O monólogo apaixonado com a cabeça do objecto do desejo


[A huge black arm, the arm of the Executioner, comes forth from the cistern bearing on a silver shield the head of Iokanaan. Salome seizes it. Herod hides his face with his cloak. Herodias smiles and fans herself. The Nazarenes fall on their knees and begin to pray.]
SALOME - Ah! thou wouldst not suffer me to kiss thy mouth, Iokanaan. Well! I will kiss it now. I will bite it with my teeth as one bites a ripe fruit. Yes, I will kiss thy mouth, Iokanaan. I said it; did I not say it? I said it. Ah! I will kiss it now.... But wherefore dost thou not look at me, Iokanaan? Thine eyes that were so terrible, so full of rage and scorn, are shut now. Wherefore are they shut? Open thine
eyes! Lift up thine eyelids, Iokanaan! Wherefore dost thou not look at me? Art thou afraid of me, Iokanaan, that thou wilt not look at me?... And thy tongue, that was like a red snake darting poison, it moves no more, it speaks no words, Iokanaan, that scarlet viper that spat its venom upon me. It is strange, is it not? How is it that the red viper stirs no longer?... Thou wouldst have none of me,
Iokanaan. Thou rejected me. Thou didst speak evil words against me. Thou didst bear thyself toward me as to a harlot, as to a woman that is a wanton, to me, Salome, daughter of Herodias, Princess of Judaea! Well, I still live, but thou art dead, and thy head belongs to me. I can do with it what I will. I can throw it to the dogs and to the birds of the air. That which the dogs leave, the birds of the air shall devour....

Oscar Wilde, in Salomé
Quadro de Lucas Cranach (o Velho)

Miúdas com muito estilo: Salomé II


2.ª Parte - O querer através de qualquer meio

HEROD - Dance for me, Salome.
(…)
SALOME - I will not dance, Tetrarch.
(…)
HEROD - Salome, Salome, dance for me. I pray thee dance for me. I am sad to-night. Yes, I am passing sad to-night. When I came hither I slipped in blood, which is an ill omen; also I heard in the air a beating of wings, a beating of giant wings. I cannot tell what that they mean.... I am sad to-night. Therefore dance for me. Dance for me, Salome, I beseech thee. If thou dancest for me thou mayest ask of me what thou wilt, and I will give it thee. Yes, dance for me, Salome, and whatsoever thou shalt ask of me I will give it thee, even unto the half of my kingdom.
SALOME
[Rising.]
Will you indeed give me whatsoever I shall ask of you, Tetrarch?
(…)
HEROD - Whatsoever thou shalt ask of me, even unto the half of my
kingdom.
SALOME - You swear it, Tetrarch?
HEROD - I swear it, Salome.
(…)
SALOME - By what will you swear this thing, Tetrarch?
HEROD - By my life, by my crown, by my gods. Whatsoever thou shalt desire I
will give it thee, even to the half of my kingdom, if thou wilt but dance for me. O Salome, Salome, dance for me!
SALOME - You have sworn an oath, Tetrarch.
HEROD - I have sworn an oath.
(…)
SALOME - I will dance for you, Tetrarch.
(…)
HEROD - Ah, thou art to dance with naked feet! ‘Tis well! ‘Tis well! Thy little feet will be like white doves. They will be like little white flowers that dance upon the trees.... No, no, she is going to dance on blood! There is blood spilt on the ground. She must not dance on blood. It were an evil omen.
(…)
SALOME I am ready, Tetrarch.
HEROD
[Salome dances the dance of the seven veils.]
Ah! wonderful! wonderful! You see that she has danced for me, your daughter. Come near, Salome, come near, that I may give thee thy fee. Ah! I pay a royal price to those who dance for my pleasure. I will pay thee royally. I will give thee whatsoever thy soul desireth. What wouldst thou have? Speak.
SALOME
[Kneeling.]
I would that they presently bring me in a silver charger...
HEROD
[Laughing.]
In a silver charger? Surely yes, in a silver charger. She is charming, is she not? What is it that thou wouldst have in a silver charger, O sweet and fair Salome, thou that art fairer than all the daughters of Judaea? What wouldst thou have them bring thee in a silver charger? Tell me. Whatsoever it may be, thou shalt receive it. My treasures belong to thee. What is it that thou wouldst have, Salome?
SALOME
[Rising.]
The head of Iokanaan.
(…)
HEROD - No, no, Salome. (…)I I know it. I have sworn an oath by my gods. I know it well. But I pray thee, Salome, ask of me something else. Ask of me the half of my kingdom, and I will give it thee. But ask not of me what thy lips have asked.
SALOME - I ask of you the head of Iokanaan.
HEROD - No, no, I will not give it thee.
SALOME - You have sworn an oath, Herod.
(…)
HEROD –(...) Salome, I pray thee be not stubborn. I have ever been kind toward thee. I have ever loved thee.... It may be that I have loved thee too much. Therefore ask not this thing of me. This is a terrible thing, an awful thing to ask of me. Surely, I think thou art jesting. The head of a man that is cut from his body is ill to look upon, is it not? It is not meet that the eyes of a virgin should look upon such a thing. What pleasure couldst thou have in it? There is no pleasure that thou couldst have in it. No, no, it is not that thou desirest. Hearken to me. I have an emerald, a great emerald and round, that the minion of Caesar has sent unto me.
When thou lookest through this emerald thou canst see that which passeth afar off. Caesar himself carries such an emerald when he goes to the circus. But my emerald is the larger. I know well that it is the larger. It is the largest emerald in the whole world. Thou wilt take that, wilt thou not? Ask it of me and I will give it thee.
SALOME - I demand the head of Iokanaan.
HEROD - Thou art not listening. Thou art not listening. Suffer me to speak, Salome.
SALOME - The head of Iokanaan!(…) Give me the head of Iokanaan!
HEROD –(...) Salome, think on what thou art doing. It may be that this man comes from God. He is a holy man. The finger of God has touched him. God has put terrible words into his mouth. In the palace, as in the desert, God is ever with him.... It may be that He is, at least. One cannot tell, but it is possible that God is with him and for him. If he die also, peradventure some evil may befall me. (…)
SALOME - Give me the head of Iokanaan!
HEROD - Ah! thou art not listening to me. Be calm. As for me, am I not calm? I am altogether calm. Listen. I have jewels hidden in this place- jewels that thy mother even has never seen; jewels that are marvellous to look at (...) What desirest thou more than this, Salome? Tell me the thing that thou desirest, and I will give it thee. All that thou askest I will give thee, save one thing only. I will give thee all that is mine, save the life of one man. I will give thee the mantle of the high priest. I will give thee the veil of the sanctuary.
THE JEWS Oh! oh!
SALOME Give me the head of Iokanaan!
HEROD
[Sinking back in his seat.]
Let her be given what she asks! Of a truth she is her mother’s child.
Oscar Wilde, in Salomé
Quadro de Caravaggio

Miúdas com muito estilo: Salomé I



1.ª Parte - O querer

THE VOICE OF IOK - Rejoice not, O land of Palestine, because the rod of him who smote thee is broken. For from the seed of the serpent shall come a basilisk, and that which is born of it shall devour the birds.
SALOME - What a strange voice! I would speak with him.
FIRST SOL - I fear it may not be, Princess. The Tetrarch does not suffer any one to speak with him. He has even forbidden the high priest to speak with him.
SALOME - I desire to speak with him.
FIRST SOL - It is impossible, Princess.
SALOME - I will speak with him.
THE YOUNG SYR - Would it not be better to return to the banquet?
SALOME - Bring forth this prophet.
(…)
IOKANAAN - Who is this woman who is looking at me? I will not have her look at me. Wherefore doth she look at me, with her golden eyes, under her gilded eyelids? I know not who she is. I do not desire to know who she is. Bid her begone. It is not to her that I would speak.
SALOME - I am Salome, daughter of Herodias, Princess of Judaea.
(…)
IOKANAAN - Daughter of Sodom, come not near me! But cover thy face with a veil, and scatter ashes upon thine head, and get thee to the desert, and seek out the Son of Man.
(…)
SALOME - I am amorous of thy body, Iokanaan! Thy body is white, like the lilies of a field that the mower hath never mowed. Thy body is white like the snows that lie on the mountains of Judaea, and come down into the valleys. The roses in the garden of the Queen of Arabia are not so white as thy body. Neither the roses of the garden of the Queen of Arabia, the garden of spices of the Queen of Arabia, nor the feet of the dawn when they light on the leaves, nor the breast of the moon when she lies on the breast of the sea.... There is nothing in the world so white as thy body. Suffer me to touch thy body.
IOKANAAN - Back! daughter of Babylon! By woman came evil into the world.
Speak not to me. I will not listen to thee. I listen but to the voice of the Lord God.
SALOME (…)There is nothing in the world that is so black as thy hair.... Suffer me to touch thy hair.

IOKANAAN - Back, daughter of Sodom! Touch me not. Profane not the temple of the Lord God.
SALOME - There is nothing in the world so red as thy mouth.... Suffer me to kiss thy mouth.
IOKANAAN - Never! daughter of Babylon! Daughter of Sodom! never!
SALOME - I will kiss thy mouth, Iokanaan. I will kiss thy mouth.
(…)
SALOME - Suffer me to kiss thy mouth, Iokanaan.
IOKANAAN - Art thou not afraid, daughter of Herodias? Did I not tell thee that I had heard in the palace the beating of the wings the angel of death, and hath he not come, the angel of death?
(…)
SALOME - I will kiss thy mouth, Iokanaan.
IOKANAAN - I will not look at thee. Thou art accursed, Salome, thou art accursed.
[He goes down into the cistern.]
SALOME - I will kiss thy mouth, Iokanaan; I will kiss thy mouth.

Oscar Wilde, in Salomé
Quadro de Klimt

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Knee Play 5 - Einstein on the Beach by Philip Glass 1979 Original



(...)
2, 3, 4
4, 5, 6
6, 7, 8
two lovers sat on a park bench
with their bodies touching each other
holding hands in the moonlight
there was silence between them
so profound was their love for each other
they needed no words to express it
and so they sat in silence on a park bench
with their bodies touching
holding hands in the moonlight
finally she spoke"do you love me, john?" she asked
"you know i love you, darling" he replied
"i love you more than tongue can tell
you are the light of my life
my sun, moon, and stars
you are my everything
without you, i have no reason for being"
again, there was silence as the two lovers sat on a park bench
their bodies touching
holding hands in the moonlight
once more, she spoke
"how much do you love me, john?" she asked
he answered,
"how much do i love you?
count the stars in the sky
measure the waters of the oceans with a teaspoon
number the grains of sand on the seashore
impossible, you say?"