sábado, 4 de junho de 2011

o cliché da morte

Por um minuto o nosso passado caiu dentro do buraco que se abriu quando o alcatrão da estrada se desfez à minha volta.
Por um inteiro minuto consegui esquecer a imagem do holocausto e do teu olhar plácido pousado nela.
Calou-se o som terrível do bater da porta atrás das minhas costas. Esvaiu-se da boca o sabor a deserto. Dissolveu-se a areia da boca.
Durante sessenta segundos vivi a idílica experiência do perdão.
Tempo suficiente para sentir como é branco o espaço que ocupa o contínuo esforço da tua neutralização.
Mas depois disseram-me que, afinal, não estavas morto.
A estrada recompôs-se no meu campo de visão.
E no segundo seguinte voltei a ser a tua viúva.

2 comentários:

  1. A morte, como qualquer outra coisa sem remédio, remedeia-se automaticamente. Já a desilusão permanece e permanece e não há maneira de a destruirmos.

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  2. a morte tem a decência das doenças agudas e fulminantes.

    já a desilusão é aquela maleita crónica que inquina os ossos com permanência. piora nas mudanças de tempo.

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