quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Marmelada de banana e sacis com próteses

Um dia houve espelhos. Mobílias trabalhadas. Veludos encarnados. O peito nu da dona da casa emoldurado em talha dourada. As tais das tábuas de madeira verdadeira. Janelas que dão para o rio. Uma cozinha com bancadas de mármore. Branco. O cheiro de compota na cozinha. O cheiro de rosas na sala. O cheiro da manhã no quarto. Todas as coisas nos seus precisos lugares. A dona da casa de vestido de seda verde e bracelete com flores de ouro desenhadas. Cabelos escorridos enfeitados por fitas estreitas. Umas mãos enormes a segurar um jornal e uma chávena de chá de frutos silvestres. A voz do homem da casa a declamar notícias como quem anuncia Byron. Um braço que se deixa cair sobre um pé descalço e lhe toma a temperatura. Cenas domésticas de perturbadora felicidade feita das harmonias impossíveis.
Mas uma manhã chegou a guerra.
E uma bomba fez estilhaçar os espelhos e quebrar as mobílias e arrancar as tábuas e cobrir de negro o óleo dos quadros e substituir todos os cheiros da casa por um omnipresente cheiro a pólvora e a carne queimada.
A casa abateu-se numa cratera. O rio secou de tristeza. Os donos foram cuspidos por um fragmento de bomba.
Ficou o fumo negro que suja e, por baixo do fumo, um imenso deserto poluído onde nenhum ser vivo conseguirá medrar.

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