quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Enquanto dormíamos

A noite roubou alguns minutos ao dia. O mar engoliu a praia e regurgitou pedras redondas e escuras. Entre a minha janela e o mar surgiu um campo verde habitado por vacas. Uma aranha construiu uma teia por baixo da portada do quarto. Dentro do Doutor Fausto, aproximadamente cinquenta páginas depois do final da primeira aparição do demónio, um marcador largou uma mancha de tinta. Um estranho cheiro a bolo de limão apoderou-se da minha cozinha.

Em 1615 assim como hoje

"(…) mas outro cavaleiro poderia ter-te ouvido, e não gostar do que ouviu; porque nem todos os cavaleiros são corteses nem respeitosos: alguns são vis e insolentes. Nem todos os que se chamam cavaleiros o são completamente, que uns são de ouro autêntico, outros de ouro falso, e todos parecem cavaleiros, mas nem todos passam no toque da pedra da verdade. homens vis há que rebentam por parecerem cavaleiros e cavaleiros nobres que parece que de propósito morrem por parecerem homens vis; e é preciso valer-nos do discernimento para distinguir estas duas espécies de cavaleiros, tão parecidos nos nomes e tão distintos nas acções.”


Miguel de Cervantes, In D. Quixote de La Mancha II, Biblioteca Editores Independentes.

domingo, 23 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Armistícios

A interrupção de uma guerra nem sempre nos deve fazer concluir pela alteração no posicionamento dos contendores.

Continuo a odiar o amor e a tratá-lo com o desprezo que merece.

Decidi apenas vigiá-lo mais de perto.

Em especial, assim, enquanto dorme.

no momento em que uma filha começa as aulas de ballet



ele disse-me: não te distraias.

resolvi ficar.



segunda-feira, 17 de outubro de 2011

terça-feira, 11 de outubro de 2011

nos corredores de outubro

o teu rosto à minha espera, o teu rosto
a sorrir para os meus olhos, existe um
trovão de céu sobre a montanha.

as tuas mãos são finas e claras, vês-me
sorrir, brisas incendeiam o mundo,
respiro a luz sobre as folhas da olaia.

entro nos corredores de outubro para
encontrar um abraço nos teus olhos,
este dia será sempre hoje na memória.

hoje compreendo os rios. a idade das
rochas diz-me palavras profundas,
hoje tenho o teu rosto dentro de mim.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

sem pés nem cabeça mas com flores

Disse-me que às vezes também chovem flores. E que enchem as ruas formando tapetes macios por onde se pode caminhar. De pés nus.
Comecei por não acreditar.
Depois lembrei-me que às vezes até chovem sapos.

E não encontrei nenhuma razão válida para que possam chover sapos e não possam chover flores.

Descalcei-me.



sexta-feira, 7 de outubro de 2011

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

e brilhavam as estrelas

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Midnight in... Wherever!

vítima de um rapto, Medusa foi rever Paris pelos olhos mais de Woody que de Allen.




saiu do cinema (ainda mais) feliz pelo falhanço da tentativa de suicidio do Wilson, com a certeza renovada de que a Sr.ª Sarkosy é a mulher viva mais bonita do Mundo (só comparável à Cardinale nos 70's) e o Brody é... o Brody, um favorito desde Os Irmãos Bloom.



não se faz um MatchPoint duas vezes na vida, mas este é muito bom.

concordo, querida Cuca, não é um masterpiece. só que teve o especial condão de me fazer feliz.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Midnight in Lisbon

Talvez seja mesmo necessário passar duas horas e meia enfiada num avião, aterrar em Lisboa e assistir sozinha a "Midnight in Paris" (Woody Allen), para perceber que existe qualquer coisa de absurdo em ficar debaixo do campanário de uma igreja à espera da boleia de um automóvel de outros tempos que nos transporte para uma era que, por já ter passado, não pode nunca mais ser a nossa.

Há quem consiga ocupar o mesmo espaço em diferentes tempos. E há quem tenha de apanhar aviões, abdicando do espaço, para conseguir viver no tempo presente.

da síndrome dos sapatos de verniz e meias até ao joelho

descreveram-no como simpático mas conservador. não entendi o mas. alertaram-me que dava sono e falava demais. desconfiei que ia gostar.

chegou a horas. o que significa que teve a atenção de se atrasar cerca de seis minutos. vestia de alfaiataria, a camisa era engomada e os botões de punho discretos. o sorriso era ainda de rapaz, pois que aos homens é inato conservar o ar descontraído da juventude. formal, mas sem demandar criados de libré.

vamos conversar?

perguntou-me pelo sobrenome e ficou feliz por me situar entre os seus pares.
os sorrisos encontraram-se, cegos da diferença de idades.
não surpreendeu pela gentileza nas portas e na escadaria, passando depois de mim nas primeiras, adiantando-se na descida da segunda para amparar a eventualidade da minha queda.
presumo que a nossa demora tenha gerado alguma apreensão àqueles a quem ele dá sono. quando demos pelas horas, já todos nos esperavam para o almoço. estávamos tão bem. estávamos tão bem no meu entusiasmo que se lhe pegou, com a sua serenidade a assistir, feliz, aos meus lampejos de olhar num futuro maior que o dele. foi com pena que nos despedimos daquele gabinete.


adoro conversar com pessoas mais sabedoras, e percebem-no logo. ao fim de três minutos estava a declarar-me empatia instantânea e a gabar-me a postura – o que endosso sempre aos meus pais.

nasci e sempre vivi mais adulta. sinto-me bem entre eles. a ouvi-los. invejo o tempo deles, que é um tempo que gira ligeiramente fora de tempo. é o tempo confortável das coisas pensadas e da vida vivida.
quando lhes tomo amizade estimo-os como a um aparador herdado. um verdadeiro aparador aparece-nos depois de anos de chocolates. de amêndoas confeitadas. de caixas de chá. há um número mínimo de latas de shortbread ou buttercookies que têm que se suceder. o açúcar deve permanecer nos três açucareiros por várias estações e ser sempre acrescentado. nas gavetas, as toalhas têm que misturar-se com as velas de aniversário que já ouviram as suas palmas e guardaram o desejo pensado naquele momento do sopro. partidas mas seguras pelo pavio sem arder. não dispensa as duas marcas redondas da garrafa de vinho do porto a manchar a prateleira, escondidas debaixo da caixa do faqueiro.


espero esta seja mais uma das minhas amizades-aparador. e que sempre que lhe abra as portas possa encher a sala daqueles cheiros doces. todos.

gostei tanto de conversar com ele.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

isto começa a ficar meio estranho... não achas, António?




sabes, hoje perguntaram-me se éramos da mesma família, já que (aparentemente) sou tão parecida com a Paula.




o que tu me fazes...