sábado, 25 de maio de 2013

dois desgraçados



No processo de inventário que se seguiu à separação dos amantes, ele ficou com a lua, com as constelações conhecidas, com o arco-íris duplo que lhe tinha sido oferecido a ela. 
Deu-lhe de tornas a cidade.
Cortaram o oceano ao meio e dividiram-no entre os dois.
Mas a lua tornou-se um local de solidão e foi preciso associar-lhe novas memórias, como fazem as pessoas que redecoram as casas onde lhes sobram os dias depois da partida da vida.
Esperou pela lua cheia, fez uma festa, chamou uma multidão, decidido a dissipar por todos os restos do património comum.
À meia noite menos um minuto, o campo encheu-se de gente e as fogueiras foram acesas e os primeiros acordes da música que lhe saiu dos dedos tingiram a noite de esquecimento. 
Enquanto isso, à distância de meio oceano, debaixo das luzes da cidade, ela desfazia-se dos restos do coração em contratos selados com agiotas de fato italiano, maneiras inglesas e alma do reino de prestes joão. 
À lua que o iluminou a ele, ela apenas a pode espreitar pelo vidro transparente do quarto, sentindo-se como se sente quem pára em frente à montra da loja onde brilha o antigo anel de noivado devolvido. 

- Dois desgraçados.

 Disse, envergonhada, a lua, ao ouvido do oceano. 

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