domingo, 30 de junho de 2013

Comunicações Intergalácticas



Dizer-te que o verão chegou e grita-se bolas de Berlim com creme nas praias cheias e as pessoas, de alguma forma, parecem felizes assim esticadas na areia e entrincheiradas numa panóplia de coisas de plástico que carregam consigo debaixo do sol tórrido e por cima das solas dos pés escaldados. Se ao menos algum dia te tivesses lembrado de comprar um chapéu de sol, ou uma toalha de praia, que fosse, talvez tivesses engolido o mesmo apaziguamento. Não estou segura que não sejam essas coisas que salvam a vida às pessoas. Baldes encarnados com peixinhos a morrer lá dentro, conchas vazias em cima de uma toalha oferecida por uma marca de cosméticos e derme inflamada podem ser a receita que nos garante o cumprimento da obrigação de uma morte feita de causas naturais. 
Não sei se aí, onde te foste enfiar para te veres livre de nós, há verões de bolas de Berlim com creme ou se se vive uma irritante primavera eterna de vales verdejantes e coelhos brancos que nos vêm lamber os pés. Antes de morreres tinha a certeza que não havia nada, mas o nada é um local demasiado inóspito para se estar e agora sei que a fé é, sobretudo, uma matrícula na colónia de férias inventada que os homens pagam para terem para onde enviar os que já não cabem nos seus dias. 
Dizer-te, ainda, que se vai vivendo aqui em baixo. Toma-se banho e come-se e trabalha-se e ouve-se música e lêem-se livros e compram-se muitas coisas. Os ponteiros de todos os relógios vão dando várias voltas e os dias caem dos calendários e por mais que o tivesse tentado nem sequer consegui impedir o verão. 
- Espera dois meses que isso passa. 
Dir-me-ias em tom sério e com a expressão sisuda e antipática com que usavas afastar os meus momentos drama queen.
E, claro, terias razão. Esperar que o tempo passe sempre foi a principal actividade dos homens. 
Mas são aqueles que anseiam que o tempo lhes leve a memória que a praticam com maior angústia. 


2 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  2. "Antes de morreres tinha a certeza que não havia nada, mas o nada é um local demasiado inóspito para se estar e agora sei que a fé é, sobretudo, uma matrícula na colónia de férias inventada que os homens pagam para terem para onde enviar os que já não cabem nos seus dias" - Há palavras que só devemos repetir depois de fazer uma reverência.

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