domingo, 9 de fevereiro de 2014

Silenciosa, remota e reprovadora

"Há pecados ou (chamemos-lhes como o mundo lhes chama) memórias más que o homem esconde nos lugares mais escuros do coração mas que ali habitam e aguardam. Ele pode suportar que a sua memória se obscureça, deixar que eles existam como se nunca tivessem existido e quase persuadir-se a si próprio de que eles não existiram de outra maneira. Contudo uma palavra fortuita irá convocá-los subitamente e eles levantar-se-ão para o confrontar nas mais variadas circunstâncias, numa visão ou um sonho, ou enquanto o pandeiro e a harpa lhe sossegam os sentidos ou no meio da fresca tranquilidade argêntea do entardecer ou no festim, à meia-noite, quando ele está já cheio de vinho. Não para o cobrir de insultos lhe virá tal visão como a alguém que jaz à mercê da sua ira, não por vingança para ceifá-lo de entre os vivos mas amortalhada na vestidura piedosa do passado, silenciosa, remota, reprovadora."

James Joyce, Ulisses

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