sábado, 4 de julho de 2015

A noiva

Ali no chão da rua, junto ao lixo, estava a noiva. 
Entre os restos do que foi um contador de água, meia tábua de passar a ferro, um prato de rebordos gastos, um guia de Espanha, um saco com papéis, um cobertor velho e várias caixas de cartão, jazia a moldura de plástico com o vidro estilhaçado. Indiferente à sua condição de residente do lixo, se não mesmo à sua natureza de lixo, aos vidros espalhados sobre os lábios pintados de vermelho, a um carreiro de formigas intruso, a noiva dos anos oitenta sorria. Magnífica, na tiara de plástico, nos cabelos negros armados num penteado a fazer lembrar as Miss Venezuela, no alvíssimo vestido adornado por lantejoulas, magnífica na posse do mais puro sorriso de esperança que consigo recordar. 
Ainda lá deve estar agora, com a noite já espelhada nos cacos de vidro da moldura partida, sozinha, no meio do lixo, a noiva, a sorrir uma esperança que foi pura nos anos oitenta. 


4 comentários:

  1. Tell me, my dear, can a heart still break once it's stopped beating?

    (Corpse Bride Film)

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  2. Que triste. Quase apetece abraçar a noiva para a consolar, mesmo assim, presa na moldura e tudo.

    Texto lindíssimo, querida Cuca.

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  3. Tem um toque subtil a Haunted Manor... sempre me arrepiou o raio da coisa, não por ser tétrico, mas por ser cruel. ... a crueldade como atracção...

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