domingo, 29 de novembro de 2015

Pessoas que partem

Conheci a minha verdadeira natureza na tarde em que voltei as costas à terra para, deixando tudo para trás, nadar na direção de um barco à deriva no mar. 
Naquela tarde, percebi as pessoas que partem.
O mundo está cheio de gente que um dia desaparece, não para reaparecer morta por entre veredas mas para existir livre noutra forma de existência. 
São pessoas que viajam em negócios e subitamente nunca regressam. Gente que entre o emprego e as tarefas domésticas faz um pequeno desvio que se torna eterno. Seres que uma noite, em silêncio, diante do olhar atónito dos outros, escolhem uma muda de roupa e simplesmente fogem para não mais voltar.
Se lhes perguntarmos as razões, não saberão explicá-las. É mentirosa qualquer tentativa de racionalização. São pessoas que partem. Poderão fazê-lo uma e outra vez.
Várias horas depois fui devolvida à terra contra a minha vontade e pude impunemente prosseguir a minha existência no ponto em tentei abandoná-la.
Naquela tarde, não sem desgosto, compreendi que também eu sou uma dessas pessoas que partem. 

Às vezes, o amanhecer ainda me surpreende dentro de um barco à deriva no mar. E, ao acordar, pesa-me, insuportavelmente, tudo quanto me pertence.

4 comentários:

  1. Apessoas que partem...Essas é deixa-las ir, e a menina como pirata que é contra isso terá couraça. Lembra-me ate uma passagem do meu livro do Corto Maltese (seu familiar,portanto) que dizia: " Deter-se assim no passado é como guardar um cemitério". Boa noite.

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    1. Esse frase é fantástica. A malta dos mares costuma ser boa inspiração.

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